Diogo Cortiz

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Opinião

Os primeiros afetados: IA está implodindo a carreira de recém-formados

A IA vai implodir a base da pirâmide do mercado de trabalho - e as consequências serão inéditas e imprevisíveis. Temos debatido nesta coluna constantemente sobre o impacto da tecnologia na sociedade, no comportamento e na economia, mas desta vez quero trazer uma análise com um recorte específico: o impacto da IA nos níveis iniciais da carreira.

Nesta semana, Dario Amodei, CEO da Anthropic, chamou atenção em uma entrevista por afirmar que a IA deve eliminar até 50% dos empregos de nível júnior em 5 anos. Embora eu sempre leia com pé de desconfiança tudo o que os CEOs das empresas de IA dizem, dessa vez tendo a concordar com ele. Não necessariamente com o número exato, mas com o fato de que esse é um movimento que parece irreversível.

Medir o atual impacto da IA no desemprego não é trivial, os efeitos demoram para acontecer e não necessariamente de uma forma causal, mas dados recentes do Federal Reserva Bank de Nova York mostram que a taxa de desemprego entre graduados universitários aumentou 30% desde o ponto mais baixo em setembro de 2022, em comparação com cerca de 18% entre todos os trabalhadores.

Embora esses dados sejam da realidade dos Estados Unidos, tenho acompanhado uma tendência global e sinais que indicam que a disrupção da IA afetará com mais rapidez e intensidade os recém-formados no mundo todo. E, como professor universitário, isso me deixa especialmente atento ao que vem pela frente.

As primeiras profissões afetadas

Muitos estudos e relatórios sempre apontaram que a IA iria chegar primeiro para as profissões de "colarinho branco" - aquelas que geralmente envolvem trabalho intelectual ou administrativo. Só não sabíamos exatamente em quais níveis o uso seria mais efetivo: se por um profissional júnior usando IA para atingir o nível de pleno ou sênior, ou por um sênior usando IA para ter a produtividade de um time com vários juniores.

Não existe um caminho único, mas a segunda opção virou a preferida das empresas. Tenho conversado com executivos e pesquisadores, acompanhando muitos relatórios, e a tendência global é munir os profissionais mais seniores com IA para que eles possam delegar para a máquina aquilo que pediriam para pessoas mais juniores.

Hoje está óbvio para todos que a IA consegue auxiliar em tarefas que envolvam mexer com documentos, planilhas e até código de programação. Se antes escritórios de advocacia precisavam de estagiários de direito e advogados juniores para fazer trabalhos repetitivos, agora um chatbot consegue auxiliar na tarefa de revisar contratos e fazer petições iniciais. Se antes os programadores iniciantes codificavam tarefas rotineiras para um sênior, agora ele pode pedir diretamente para a IA. E essa tendência vai chegar também para as profissões criativas.

Uma pesquisa realizada pelo LinkedIn com mais de 3 mil executivos em cargo de vice-presidência mostra que, se o impacto profundo ainda não é imediato, isso deve acontecer no curto e médio prazo. No levantamento, 63% dos executivos concordam que a IA assumirá tarefas manuais e repetitivas que hoje são realizadas por funcionários em nível inicial dentro de suas empresas.

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O conceito de "AI First" virou mandatório em muitas empresas, que agora colocam como premissa a necessidade de testar uma IA para realizar uma tarefa antes de ter que contratar um humano. E, na maioria das vezes, o que a IA consegue fazer são as atividades que seriam atribuídas para os profissionais juniores.

No entanto, esta situação não cria um problema apenas para o presente - com uma queda de oportunidades para os recém-formados e uma geração inteira desanimada em relação a sua vida profissional -, mas também implanta contradições para o futuro: as organizações precisarão de mão de obra qualificadas, mas não estão oferecendo meios para desenvolvê-la.

É nos níveis de entrada que os profissionais praticam e aprendem com erros. Se eliminarmos essa etapa, estaremos comprometendo não apenas trajetórias individuais, mas a sustentabilidade das próprias organizações no futuro com líderes menos preparados.

Parece até um paradoxo da inovação, mas é a competição incessante pela produtividade e redução de custos expondo essas dissonâncias e incongruências que estão queimando a largada de toda uma geração.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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