Histórias do Mar

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Reportagem

Filme de mulheres que cruzaram oceano com barco precário será exibido em SP

No final de junho de 2022, três jovens mulheres, a dominicana Alizé Jireh, então com 22 anos, a dinamarquesa Laerke Heilmann, de 35, e a americana - mas criada no Brasil, onde viveu toda a sua infância - Kiana Weltzien, na época com 26 anos, viveram uma aventura e tanto: a bordo de um rústico barco de madeira, com mais de 50 anos de uso, passaram um mês navegando no Atlântico Norte, e cruzaram dos Estados Unidos aos Açores - só elas três e mais ninguém, em um barco que mais parecia uma jangada e que até hoje serve de "casa" para americana/brasileira Kiana, atualmente ancorado em uma praia de Paraty, no litoral entre Rio de Janeiro e São Paulo.

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Imagem: Reprodução

Daquela jornada, que durou um mês no mar aberto, em plena temporada de furacões no Atlântico Norte, brotou uma experiência inédita - sobretudo para as duas companheiras de Kiana, que nunca haviam navegado, muito menos ido tão longe com um barco à vela -, além de horas de filmagens feitas pela jovem cineasta Alizé, dona de um olhar aguçado e muita sensibilidade, que acabam de virar um bonito e sensível filme-documentário, chamado Women & the Wind ("Mulheres e o Vento" - clique aqui para ver o trailer), que será apresentado pela primeira vez no Brasil amanhã, sábado, em sessão única, às 19 horas, no Cine Belas Artes (Rua da Consolação 2423), em São Paulo, com a presença de duas das protagonistas daquela dura e difícil travessia.

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Onde também vai passar

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Após a exibição única em São Paulo, neste sábado, haverá também apresentações gratuitas no Cinema da Praça, em Paraty, nos dias 7, 8 e 15 de junho, além do também comunitário Cine Clube Vila Bella, em Ilhabela, no dia 28 do mês que vem, também com a presença das velejadoras, para responder perguntas e conversar com a plateia após a exibição do filme, sobre a viagem e a questão do meio ambiente marinho. Especialmente o acúmulo de resíduos plásticos no mar, tema que tanto preocupa Kiana.

"Esse era um dos objetivos da viagem: colocar a gente em contato direto com a natureza, além de provar que as mulheres são capazes de fazer coisas extraordinárias, inclusive no mar", diz Kiana, dona do barco usado na viagem e mentora da ideia de juntar um trio de mulheres para cruzar o Atlântico com uma embarcação nem de longe equipada ou preparada para isso - mas com a qual ela navega há quase 10 anos, quase sempre sozinha.

Filme sem roteiro

"Não havia um roteiro a ser seguido", diz Kiana. "Nós apenas fomos filmando o que acontecia na viagem. E aconteceu muita coisa".

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Imagem: Reprodução

Entre outros imprevistos, elas enfrentaram ondas com mais de cinco metros de altura, ventos que passaram dos 80 km/h e três tempestades seguidas, uma atrás da outra, que duraram dez dias e enxarcaram tudo dentro do barco, inclusive as camas onde dormiam.

"Foi bem desconfortável, mas não desistimos", diz Kiana, que já atravessou o Atlântico navegando sozinha outras três vezes, orgulhosa da própria façanha.

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Em seguida, ela partiu de novo, desta vez sozinha a bordo, rumo ao Brasil, onde chegou três meses depois. E de onde não mais saiu, até hoje.

Mastro do barco é um poste de rua

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O barco de Kiana, que também vem sendo a sua "casa" desde que ela decidiu trocar um emprego de corretora de imóveis em Miami pela vida no mar, quase dez anos atrás, mais parece duas canoas unidas por grande tablado de madeira.

Não tem motor, só velas feitas com pedaços de tecidos de algodão que vivem rasgando sob ventos mais fortes, e seu mastro não passa de um poste de rua adaptado.

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O chuveiro é um balde, com o qual Kiana despeja água (geralmente do próprio mar) cabeça abaixo, quando quer tomar banho.

E a comida (quase sempre peixe, que ela mesmo pesca) é feita em um fogareiro à carvão, ao ar-livre, no deque de tábuas do barco, ou na acanhada cabine, quando a chuva impede cozinhar lá fora.

O barco de Kiana, utilizado por aquele trio de mulheres para fazer algo que pouquíssimos homens teriam coragem de executar, foi construído mais de meio século atrás por um carpinteiro não muito preocupado com o conforto nem a estética, que ela comprou com o pouquíssimo dinheiro que tinha na época - e que continua escasso.

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Vive com R$ 1000 por mês

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Imagem: Divulgação

No seu modestíssimo dia a dia, Kiana vive com pouco mais de R$ 1 000 por mês, dinheiro que usa apenas para comprar comida, e que ganha escrevendo artigos para revistas, quase sempre sobre a curiosa vida que leva no mar.

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"Hoje tenho a vida que sempre quis ter quando me aposentasse, mas não precisei esperar isso acontecer", brinca Kiana, que apesar do orçamento sempre curto, garante que não usará o dinheiro que o filme arrecadar nas exibições pagas, como será a de amanhã, em São Paulo, cujos ingressos custarão R$ 77.

"A maior parte do que o filme arrecadar com a bilheteria será destinado a uma ONG que eu criei, também chamada Women & the Wind, para incentivar projetos de aventuras de alto risco de outras mulheres, e também uma nova experiência marítima que quero pôr em prática, quando voltar para o Caribe com o meu barco, no final do ano que vem. Será uma espécie de experimento de residência artística, juntando uma capitã, uma cozinheira, uma artista plástica e uma cientista, com o objetivo de desenvolverem pensamentos criativos. A simplicidade do meu barco deve ajudar nisso", acredita Kiana.

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A controversa "Balsa do Sexo"

Caso ela consiga colocar o seu novo projeto em prática, não será a primeira vez que pessoas que nada têm a ver com a vida no mar participam de uma experiência marítima a bordo de uma embarcação quase primitiva.

No passado, esse tipo de recurso já foi usado em outros experimentos sociais, que visavam estudar o comportamento humano em situações extremas.

Um dos mais polêmicos foi conduzido pelo antropólogo mexicano Santiago Genovés, no início dos anos 1970, e reuniu 11 pessoas - cinco homens e seis mulheres, quase todos casados, mas sem os seus companheiros a bordo - em uma precária balsa, que também cruzou o Atlântico, das Ilhas Canárias ao México, ao longo de mais 100 dias no mar.

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O objetivo de Genovés era estudar o comportamento do grupo em momentos de risco e conflituosos, confinados dentro de uma balsa, o que ele alimentava ainda mais incentivando o sexo livre entre os participantes, o que, no entanto, para frustração do antropólogo, não aconteceu durante a viagem.

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Mesmo assim, o controverso experimento de Genovés - logo batizado pela imprensa de "Balsa do Sexo" - teve outro mérito: tornou-se uma espécie de precursor dos Big Brother, o primeiro da história, como pode ser conferido clicando aqui.

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Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

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