Roberto Sadovski

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Opinião

Fofo e caótico, 'Lilo & Stitch' mostra o jeito certo de revisitar o passado

Poucos filmes no universo têm mais cara de "produto" do que as adaptações modernas de desenhos animados Disney. Mesmo quando existe um ou outro desvio da trama original, a base da coisa toda é uma história que seu público-alvo já conhece de cor e salteado. Não haveria motivação para a existência de uma nova versão a não ser capitalizar em cima de uma ideia previamente testada e aprovada, certo?

Bom, mais ou menos. De "Alice no País das Maravilhas" ao recente "Branca de Neve", passando por "Mogli", "O Rei Leão" e "A Pequena Sereia", esse filão se mostrou uma mina de ouro para o estúdio que ocasionalmente resulta em uma pérola. Isso acontece quando os responsáveis pela "reimaginação" abraçam o que fez o original funcionar e a partir daí traçam seu próprio caminho. É exatamente o caso do novo "Lilo & Stitch".

Não que o desenho animado, dirigido por Chris Sanders e Dean DuBois e lançado em 2002, seja exatamente original. A amizade de uma criança com uma criatura de outro mundo que reflete sua própria solidão é sucesso desde que Steven Spielberg lançou "E.T." em 1982. "O Voo do Navegador" (1986) e "Mac - O Extraterrestre" (1988) foram cópias baratinhas, enquanto "O Gigante de Ferro" (1999), "Transformers" (2007) e "Super 8" (2011) lapidaram a fórmula.

'Lilo & Stitch' é aventura fofa e caótica
'Lilo & Stitch' é aventura fofa e caótica Imagem: Disney

O que nenhum deles possui, entretanto, é a energia caótica e o impacto cultural de "Lilo & Stitch", que traça a amizade inusitada de uma garotinha havaiana com uma superarma biológica extraterrestre que tem a forma de um bichinho fofinho. O sucesso da animação gerou um trio de continuações lançadas direto em vídeo (ah, bons tempos), uma série animada e uma batelada de bugigangas que, há alguns anos, experimentaram fôlego renovado nas prateleiras.

Transformar "Lilo & Stitch" em filme que combina animação digital e atores de verdade era, naturalmente, uma decisão corporativa lógica - o que não diminui de forma alguma seu valor como obra audiovisual e seu impacto como aventura para lotar os cinemas em família. Se o jogo agora é este, melhor entrar em campo com o time mais redondo!

Dirigido por Dean Fleischer Camp (do delicado "Marcel, a Concha de Sapatos"), este "Lilo & Stitch" segue de perto a premissa da animação. Capturado pela Federação Galáctica, o cientista Jumba Jookiba entrega sua criação mais ambiciosa: o experimento 626, criatura indestrutível e geneticamente desenhada para causar caos e destruição. Condenado ao exílio, 626 escapa e sua espaçonave cai na Terra, mais especificamente no Havaí.

Perseguido por Jumba e por um especialista em cultura terráquea da Federação, Pleaky (defendidos em sua forma humana por Zack Galifianakis e Billy Magnussen), a criatura esconde seus traços alienígenas (antenas, seis braços) e, fingindo ser um cachorro, se coloca sob os cuidados de Lilo (a estreante Maia Kealoha), órfã que vive com sua irmã, Nani (Sydney Elizabeth Agudong) . O disfarce escala para afeto genuíno na relação entre Lilo e (o agora batizado) Stitch e a dupla enfrenta adversidades mundanas (a garota está prestes a ser removida da guarda de sua irmã) e, claro, fantásticas.

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Stitch aprende o que é ter uma família com Lilo (Maia Kealoha)
Stitch aprende o que é ter uma família com Lilo (Maia Kealoha) Imagem: Disney

"Lilo & Stitch" curiosamente traz escopo menor que o original animado. Alguns personagens foram condensados (o Capitão Gantu, guerreiro da Federação ausente do novo filme, teve parte de sua personalidade injetada em Jumba), outros foram desdobrados (Cobra Bubbles agora é só um agente da CIA, com o papel de assistente social entregue à atriz Tia Carrere), e parte do espetáculo, especialmente no terceiro ato, deu lugar a soluções menos explosivas (já vejo os puristas chiando).

O que permanece imutável é o gigantesco impacto emocional, principalmente entre os pequenos na plateia, quando o filme aborda temas como amor, família, perda e pertencimento. "Lilo & Stitch" caminha perigosamente para o sentimentalismo desenfreado e só não se perde nesse caminho pela vibração anárquica e apelo irresistível de Stitch, que vai de companheiro adorável a avatar do caos irrefreável. Difícil não querer ter um para chamar de seu.

"Lilo & Stitch" é, afinal, um produto, parte de uma linha de montagem que não só cravou seu lugar no calendário cinematográfico como também se expandiu para outros estúdios - mês que vem estreia "Como Treinar o Seu Dragão" da concorrente Universal. Mas é um produto bonito, divertido e emocionante, que retém o DNA do original e caminha com mérito próprio ao substituir a frieza da mera imitação pelo cuidado genuíno em manter seu encanto. Vender uma tonelada de brinquedos é, sem um pingo de ironia, parte do pacote.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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