4.500 golpes por hora: a fraude que Anatel e teles não conseguem frear
Golpistas usam linhas pré-pagas em nome de terceiros, apelam para sites que fazem ligações online e adotam disfarces para fingir ser banco ou loja famosa. Para isso, muitas vezes usam dados roubados ou vazados. Só no ano passado, foram mais de 4.500 tentativas por hora e, apesar das medidas adotadas, a Anatel reconhece que o crime está em outro "estágio de evolução tecnológica" e as operadoras não dão contam de conter as chamadas indesejadas.
Como acontece
Golpistas dependem de chips pré-pagos ou sites para chamadas online para conseguir ligar para as vítimas. As duas formas servem para dificultar a identificação do criminoso, que usa de engenharia social para convencer quem atende o telefone a fazer um Pix (como no golpe do Pix devolvido) ou instalar programas para dar acesso remoto ao celular.
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Para tornar a ligação via site mais convincente, eles usam técnica chamada "spoofing". Ao usar programas de ligação pela internet, os criminosos conseguem configurar como a vítima vai visualizar o autor da chamada —um número de linha fixa, um banco, uma loja conhecida ou até um número parecido com o da vítima. Isso ajuda a manipular a vítima.
Por que isso importa
Anatel reconhece grande dificuldade de barrar o "spoofing", porque este tipo de chamada é legal. O órgão afirma que combater o uso malicioso da ferramenta não é simples "dada a abrangência, diversidade das redes e a quantidade de prestadoras de serviços de telecomunicações", mas trabalha para implementar uma nova tecnologia que permitirá saber mais claramente quem está ligando.
Anatel exige selfie e documentos para ativação de pré-pagos como forma de conter criminosos. Desde 2021, a agência cobra das operadoras que, além de dados pessoais (nome e endereço completo), uma foto selfie e uma identidade sejam enviadas para validar e garantir que a pessoa que está comprando o chip é realmente a dona do documento. Operadoras já foram multadas em R$ 58 milhões em oito processos por problemas em cadastros de pré-pagos.
Isso dificulta que golpistas comprem chips "de baciada" e criem centrais telefônicas do crime. Os chips são usados em larga escala até serem bloqueados e então são descartados, tornando o controle mais difícil. Eduardo Tude, presidente da consultoria Teleco, diz que o comum é que chips sejam usados nas centrais de forma alternada para dificultar a identificação.
Operadoras dizem que possuem o sistema de verificação de dados para pré-pagos desde 2021. Procuradas, Vivo, Claro e Tim disseram que só respondem via Conexis, sindicato que representa as operadoras. A Conexis diz que segue "rigorosamente" as "expressas determinações da Anatel". Considerando todas as medidas adotadas, foram barradas 210 bilhões de chamadas indesejadas, incluindo ligações spam.
Para combater o "spoofing", passaram a "bloquear interconexão de prestadoras que permitem essa prática". Segundo o sindicato, a regra da Anatel de 2024 começou a dar resultado neste ano. Ela exige que as teles rastreiem as chamadas e suspendam serviços/prestadoras que permitem a alteração dos números. Chamadas indesejadas devem ser informadas à Anatel em relatório que prevê razão social/CNPJ, data das infrações, quantidade de chamadas e horário, etc.
A própria Anatel reconhece que ainda há falhas e não exige biometria (leitura profunda da face) para cadastro. Além disso, quando o cliente se recusa a fornecer dados, o processo de ativação das linhas é feito por vias alternativas —como ir à loja física ou fornecer outro documento.
Falhas persistem, pois os procedimentos atuais não são considerados suficientes para o estágio de evolução tecnológica e para o combate a fraudes complexas. Por exemplo, há CPF com mais de 300 linhas habilitadas, o que não ocorreria se o sistema fosse robusto o suficiente.
Anatel
Nível da verificação facial das operadoras é baixo e despadronizado, diz especialista. A avaliação é de Hiago Kin, presidente da Abraseci (Associação Brasileira de Segurança Cibernética). Ele explica que os sistemas de cadastro são "programados para aprovar" e feitos para "diminuir o atrito" na hora da compra ou validação do chip. Além disso, a Anatel não traz normatização técnica para verificação facial, o que dá espaço para teles escolherem o nível de segurança que lhes convém.
Pré-pagos exigem menos verificações e são fáceis de habilitar. Tude lembra que esta é a premissa do pré-pago: ser popular e de fácil o acesso. "Às vezes, nem é laranja. Eles [criminosos] conseguem comprar facilmente a linha no nome de alguém que não tem nada a ver", afirma. Segundo ele, sistemas robustos de validação de identidade têm alto custo e exigem complexidade técnica. O ideal seria uma verificação ativa de cadastros falsos com bloqueio imediato.
- No portal cadastropre.com.br, você pode consultar se existem linhas pré-pagas no seu nome.
Anatel busca agir "de modo equilibrado". Órgão reconhece que age com cuidado para não "inviabilizar o acesso legítimo da população aos serviços de telecomunicações".
Solução passa pelo "Origem Verificada"
Principal medida da Anatel para acabar com golpes é o Origem Verificada. Ao receber ligação, você terá informações sobre número, identificação (nome e logomarca), motivo da chamada e selo que ateste a legitimidade de quem está ligando. A nova regra, de 28 de abril deste ano, deve ser cumprida pelas operadoras até 2028 sob pena de multa de até R$ 5 milhões. Recurso funciona em celulares atualizados com conexão 4G e 5G.
Operadoras dizem que implementar o Origem Verificada é a prioridade. "Esse recurso aumenta a transparência e oferece ao usuário mais controle sobre suas interações telefônicas", disse a Conexis, que diz oferecer ainda o site "Não Me Perturbe" para barrar chamadas indesejadas e o prefixo 0303 para identificar ligações de telemarketing.
Outras medidas que devem ser cumpridas pelas operadoras são:
- Avaliar códigos suspeitos e suspender o número quando se identificam por instituição financeira
- Não ceder numeração para terceiro que fará uso do serviço em nome próprio
- Dar aos bancos informações de números habilitados com indícios de uso para golpes e fraudes
Como denunciar números que não param de ligar
Anatel orienta a registrar denúncia do número no portal "Anatel Consumidor": Com isso, a operadora tem até dez dias corridos para responder à reclamação.
A página Qual a Empresa me ligou? também ajudar a identificar quem está por trás da chamada. Mas ela não funciona para números camuflados por técnicas de spoofing. Site mostra companhia dona da linha e o CNPJ.
Em caso de golpes que já ocorreram, a Anatel pede que a pessoa faça um boletim de ocorrência na polícia civil local.