Guerra aos piratas: por que Anatel ameaça bloquear Amazon e Mercado Livre

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A Anatel está em uma disputa com lojas online que vendem "produtos piratas" (não homologados pela agência). A agência já falou até em tentar bloquear essas páginas por reincidência, enquanto as varejistas lutam na Justiça alegando desproporcionalidade e dizem que o órgão não tem competência para tirar página do ar.
O que aconteceu
Medida cautelar da Anatel, de junho de 2024, notificou comércios eletrônicos por venda de "celulares piratas" em marketplaces. Procedimento mencionava a possibilidade de bloquear sites reincidentes como medida extrema após medidas administrativas e multas não resolverem o problema. O despacho estabelecia que varejistas tinham de exigir o código de homologação no cadastro do produto. As companhias tinham um período para adotar as regras.
Empresas entraram com medidas cautelares contra a Anatel por acharem possibilidade de bloqueio exagerada. Desde então, Mercado Livre e Amazon têm solicitado em diferentes esferas da Justiça para derrubar essa possibilidade. Em diversas ocasiões, o presidente da Anatel, Carlos Baigorri, disse que não poderia haver impunidade e que o próximo passo após multa de R$ 50 milhões (valor máximo estabelecido pela agência, ainda não atingido por nenhum e-commerce) teria de ser o bloqueio.
Produtos piratas (ou não homologados) são aqueles que não foram avaliados pela Anatel. Eles são considerados irregulares por não terem passado por testes de segurança, funcionamento e conformidade da agência. O órgão diz que produtos oferecem "riscos sérios à segurança do consumidor e à integridade das redes de telecomunicações".
A venda desses produtos prejudica fabricantes que atuam legalmente no Brasil. Em tese, muitos desses aparelhos chegam ao Brasil de forma ilegal e são vendidos a preços inferiores, causando uma concorrência desleal com empresas oficiais que pagam imposto, fornecem assistência técnica e garantia para os aparelhos.
A Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica) estima que 13% do mercado de celulares no país é irregular. "O porcentual ainda é muito alto. O ideal seria que esse número caísse para algo em torno de 5%", disse Humberto Barbato, presidente-executivo da Abinee, em evento realizado em maio.
O que dizem as plataformas de comércio eletrônico
Mercado Livre diz que atua ativamente para remover anúncios de aparelhos não homologados e que luta contra fraudes "tende a zero". Segundo François Martins, diretor de Relações Governamentais do Mercado Livre, na última fiscalização da Anatel em centros de distribuição da empresa foram achados oito celulares irregulares, de um total de 245 mil. O representante da empresa diz que vender produto "pirata" não é bom negócio, pois se o item não é bom, o consumidor não volta ao site para fazer outras compras.
É uma missão constante nossa luta contra fraudes. Nossa tendência é sempre estar o mais próximo possível de zero possível. Queríamos pensar em uma solução conjunta, que envolva indústria e o poder público, em vez de ficarmos em embates entre nós
François Martins, diretor de relações governamentais do Mercado Livre
Em nota, a Amazon diz que continua colaborando com o governo e que tem políticas robustas para garantir que produtos oferecidos são de alta qualidade. Empresa cita que permanece "comprometida com o Brasil, entregando preço, seleção e conveniências", apoiando mais de 100 mil vendedores brasileiros no marketplace.
Fontes do mercado afirmam que coibir anúncios de produtos não homologados é um "jogo de gato e rato". Vendedores muitas vezes burlam o sistema para anunciar produtos, e as plataformas vão coibindo conforme descobrem. Uma das técnicas, por exemplo, envolve tentar cadastrar o produto em outra categoria. Isso burla as políticas das plataformas e pode fazer o vendedor ser banido. Todas as empresas dizem punir vendedores do marketplace que burlam regras, muitas vezes fechando a conta dele na plataforma.
E-commerce defende solução conjunta com todos os setores envolvidos. Martins, do Mercado Livre, diz que a varejista atua em parceria com os mais diversos setores para coibir produtos ilegais. Para impedir venda de óleo veicular ilegal, por exemplo, há uma parceria com a ANP (Agência Nacional de Petróleo).
Bloqueio de página é medida extrema, segundo e-commerces
Câmara Brasileira da Economia Digital (camara-e.net), que representa os principais comércios eletrônicos do país, vê com preocupação ideia de suspensão de serviços. Em nota, o órgão diz que "plataformas não são o problema", mas "parte da solução" e que empresas retiram ativamente anúncios irregulares, "muitas vezes impedindo que sejam até mesmo publicados".
Suspender plataformas digitais seria, portanto, uma medida extrema, que, além de causar insegurança jurídica, afetaria diretamente milhões de pessoas. Estamos falando de pequenos empreendedores, muitas vezes individuais, que usam essas ferramentas todos os dias para garantir renda, sustentar suas famílias e manter seus negócios
Nota da câmara-e.net
Decisão recente da Amazon reforça que bloquear e-commerces por celular pirata está fora da competência da Anatel. Em decisão de 5 de junho, empresa de varejo obteve um mandado de segurança impedindo um eventual bloqueio. O órgão pode recorrer.
"Apesar da Anatel estar autorizada a reconhecer a certificação de produtos mediante a observância dos padrões e normas por ela estabelecidos, não atribuiu o referido artigo competência para a agência fiscalizar, multar e bloquear páginas de internet, ainda mais em se tratando de páginas de venda e não de produtores de conteúdos"
Desembargadora Monica Nobre, do TRF3, em decisão
Sobre este argumento, a Anatel diz que atua com "estrutura legal sólida", baseada na Lei Geral de Telecomunicações. Em nota, a agência menciona que tem competência para "coibir a comercialização de equipamentos não homologados" e que ao atuar dessa forma "está cumprindo não apenas um dever legal, mas também um compromisso com a segurança dos consumidores, a proteção das redes e a integridade do setor como um todo".
Ainda não há prazo para terminar o embate entre Anatel e e-commerces.
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