Morte encefálica: como o médico tem certeza de que quadro é irreversível?

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Pedro Severino, 19, jogador do Red Bull Bragantino, teve alta após três meses internado depois de sofrer um acidente de carro. Em estado gravíssimo, o hospital chegou a abrir o protocolo para atestar morte encefálica, que foi suspenso depois que ele tossiu na retirada da sedação e mexeu os olhos.
A morte encefálica é considerada, pelo Ministério da Saúde, a morte de fato: a perda completa e irreversível das funções cerebrais. Embora ainda haja batimento cardíaco, as atividades vitais só são mantidas com aparelhos.
Na prática médica, significa que, mesmo que o coração ainda esteja batendo com suporte, a pessoa já não possui qualquer atividade cerebral e não tem consciência. Gisele Sampaio, neurologista do Hospital São Paulo da Unifesp
Segundo a resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina), os procedimentos para determinar morte encefálica são iniciados em todos os pacientes que apresentam coma não perceptivo (não responde a estímulos), tem ausência de reatividade acima da medula espinhal e apneia persistente (incapacidade de coordenar movimentos respiratórios).
"O protocolo de morte encefálica é uma sequência de etapas clínicas e laboratoriais padronizadas para confirmar o diagnóstico com segurança e rigor. Embora haja pequenas variações entre países, os princípios são semelhantes no mundo todo", complementa a neurologista.
Sinais de morte encefálica
Para ser submetido ao protocolo, o paciente deve apresentar todos os pré-requisitos:
Presença de lesão encefálica de causa conhecida, irreversível e capaz de causar morte encefálica. O diagnóstico deve ser confirmado por exames de neuroimagem ou outros métodos, a critério do profissional.
Ausência de fatores tratáveis que possam confundir o diagnóstico de morte encefálica. Esses fatores podem ser hipotermia, intoxicação, distúrbio hidroeletrolítico, entre outros.
Tratamento e observação em hospital pelo período mínimo de seis horas (podendo se estender para 24 horas mínimas).
Temperatura corporal superior a 35°C, saturação arterial de oxigênio acima de 94% e pressão arterial diferente do esperado para a idade.
O protocolo
Corpo sem sedação. "Tem que retirar todo e qualquer sedativo ou droga que possa provocar ou induzir um coma, e esperar um tempo, a depender do medicamento, para o organismo excretar a droga. Isso pode levar horas ou dias", avalia a neurologista Maramelia Miranda, neurointensivista do Hospital São Luiz Morumbi, da Rede D'Or. Sem o efeito desses medicamentos, é esperado que o paciente pisque, mexa os olhos, degluta, respire ou tenha outros reflexos específicos. Em caso de morte encefálica, o corpo não reage.
Dois exames clínicos, realizados por médicos diferentes, no intervalo mínimo de uma hora, que confirmem coma não perceptivo e ausência de função do tronco encefálico. Isso pode ser constatado pela ausência dos reflexos fotomotor (pupilas fixas sem resposta à estimulação), córneo-palpebral (não piscar após gotejamento de soro), oculocefálico (não desviar o olhar durante movimentação rápida da cabeça), tosse etc.
Teste de apneia que confirme ausência de movimentos respiratórios após estimulação máxima dos centros respiratórios. Ele deve ser realizado apenas uma vez e deve comprovar a ausência de movimentos respiratórios sob o aumento da pressão parcial de CO2 no sangue.
Exame complementar que comprove ausência de atividade encefálica. Eles devem sinalizar a ausência de perfusão sanguínea, atividade metabólica ou atividade elétrica encefálica. A escolha do exame complementar leva em conta a situação clínica do paciente e disponibilidade. Eles podem ser angiografia cerebral, eletroencefalograma, doppler transcraniano ou cintilografia.
Quem é o médico que constata?
Médicos com especialidade neuro ou intensiva. Ainda segundo o CFM, são considerados capacitados os médicos com no mínimo um ano de experiência no atendimento de pacientes em coma e que tenham acompanhado ou realizado pelo menos dez determinações de morte encefálica ou curso de capacitação. Um dos médicos deve ser especialista em medicina intensiva, medicina intensiva pediátrica, neurologia, neurologia pediátrica, neurocirurgia ou medicina de emergência.
Suspensão é comum?
Não. Segundo a neurologista Gisele Sampaio, suspensões são incomuns, mas acontecem. "Em termos clínicos, isso significa que o cérebro ainda mantém alguma atividade, ainda que mínima, e, portanto, o diagnóstico de morte encefálica não pode ser confirmado."
Quais movimentos suspendem o protocolo? "Os sinais que o corpo apresenta são reflexos: reagir, tossir, respirar, aparecer o reflexo da córnea, o reflexo de tosse mexendo o tubo, retirar um braço quando se faz um estímulo de dor", complementa a neurologista Maramelia Miranda.
Alguns movimentos não invalidam o protocolo. "Alguns movimentos involuntários podem ocorrer mesmo na morte encefálica. Por exemplo, reflexos espinhais, como flexão dos dedos e movimentos de tronco. Eles não invalidam o diagnóstico porque não dependem do encéfalo", completa Sampaio.
Doação de órgãos
A Lei dos Transplantes (Lei nº 9.434/1997) estabelece que a doação de órgãos após a morte só pode ser realizada quando constatada a morte encefálica. Quando isso acontece, as funções vitais do paciente são mantidas de maneira artificial até que a remoção dos órgãos seja feita.
Família pode ter médico de confiança acompanhando o processo da constatação de morte cerebral. A legislação brasileira que regulamenta a doação de órgãos garante à família o direito de contar com a presença de um médico de confiança para acompanhar o diagnóstico.
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