A volta do Charlô, e a pergunta: há diferença entre chef e restaurateur?
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Entre os restaurantes recentes de São Paulo está o novo Charlô, que mudou para o hotel Pulso, em Pinheiros. Ele volta lastreado na sua fórmula de sempre — uma cozinha de bistrô condimentada por pratos clássicos brasileiros, e uma clientela platinada.
À mesa você vai encontrar steak tartar, confit de pato e filé ao molho poivre; e também acenos italianos (nhoque à carbonara, linguini com frutos do mar). Mas está ali o toque brasileiro (galinhada caipira, moqueca, bacalhoada). Na sobremesa terá mil-folhas, mas também cocada.

Falar do seu dono, Charlô Whately, é falar de muitas coisas — a começar, do jovem de família rica que largou o previsível trabalho no mercado financeiro para se dedicar a... cozinhar, algo nada convencional naqueles anos 1980 em São Paulo.
Começou vendendo patês e bolos, depois abriu um pequeno restaurante, mas também começou a fornecer seus produtos para festas, a organizar o bufê destas festas — e com elas, em poucos anos montou uma empresa milionária.

Além do bom gosto para a cozinha, ajudou muito no seu sucesso o seu trânsito na burguesia paulista e sua simpatia. Uma pessoa afável, de bom papo e bem relacionada. O que conta muito no setor da hospitalidade.
Charlô começou como cozinheiro. E fez sucesso como empresário, como restaurateur. O que são coisas diferentes.
Há cozinheiros que se tornam chefs e dedicam à cozinha seu ofício. E há empresários que atuam como restaurateurs, e fazem de gerir o restaurante sua atividade central. Às vezes chefs também são gestores, acumulando as duas funções.
Os franceses Alain Ducasse e Daniel Boulud são exemplos destes multitarefas. Ambos ralaram muito tempo com a barriga no fogão. Durante muitos anos foram os chefs que estavam todo dia na cozinha (como empregados, depois patrões). Hoje têm (com seus sócios capitalistas) dois impérios mundo afora.

Daniel ainda faz expedientes na cozinha do Daniel, de Nova York, mas passa boa parte do tempo como Ducasse: em aviões e reuniões. Ainda são cozinheiros: com suas equipes, elaboram cardápios e aprovam pratos. Mas são principalmente restaurateurs.
Com a proeminência da imagem dos chefs como pilar dos restaurantes, desde a nouvelle cuisine francesa dos anos 70 e 80, eles se tornaram a cara pública do negócio, mesmo que não fossem gestores. Mas muitos lugares dependem principalmente dos proprietários para seu sucesso.
No Brasil, alguns chegaram a unir as funções de chef e restaurateur, como Claude Troisgros na época em que tinha somente um restaurante no Rio de Janeiro; hoje com várias casas, continua sendo sua face mais visível, mas não é a cozinha seu dia a dia.

Já os restaurateurs, sombreados pelo glamour dos chefs, continuam sendo fundamentais. Alguns — como o falecido Giancarlo Bolla (La Tambouille) — até sucumbiram à onda de vestir dólmã e avental para atuar em eventos, revistas ou TV. Outros, porém, se ativeram à função de conceber o restaurante, azeitar a operação, lhe dar a alma necessária, receber os clientes.
Há muitos que estão na ativa: Gero Fasano (com os restaurantes com seu nome e outros); Massimo Ferrari (com o atual Felice e Maria); Belarmino Iglesias (da rede Rubaiyat) e Marie-France Henri (do La Casserole), que herdaram o restaurante dos pais e hoje tocam com seus filhos); Walter Mancini (do Famiglia Mancini e outros).

O que eles têm em comum? Nenhum deles se atreve a entrar na cozinha dos seus restaurantes para cozinhar... Seu dom é outro.
Certa vez escrevi uma crítica severa sobre um restaurante que abrira nos Jardins. Recebi uma mensagem do proprietário dizendo que concordava com minhas ponderações, e que já tomara providências: demitira o chef de cozinha.
Eu lhe respondi que quem deveria se demitir era ele, o dono. Pois certamente tudo que saía da cozinha — o menu, os ingredientes, os temperos — passava pelo proprietário. Se ele dizia que estava bom (talvez até exigindo mudanças), restava ao funcionário, o chef, executar.
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