Prato para compartilhar é bom em casa. Em restaurante, nem sempre funciona

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Está na moda, em alguns restaurantes (muito bons, aliás), ter um cardápio inteiramente de "pratos para compartilhar". Não têm a tranquila divisão entre petiscos, entradas, pratos principais; os pratos têm todos o mesmo tamanho (num cálculo pra lá de impreciso que os torna pouco maiores do que uma entrada, e bem menores do que um prato principal).
Compartilhar parece bom? Simpático, solidário? Eu acho que é mesmo — principalmente se for em casa.
Já houve época em que às vezes adotei em casa serviços afetados, nos quais servia tudo empratado individualmente. Pois hoje adoto pratos para compartilhar, como em qualquer casa há séculos, no jeitão bem familiar brasileiro: travessas no centro da mesa, onde tudo é de todo mundo.
Mas o restaurante é o lugar aonde vou para fruir uma comida melhor que a minha, um serviço melhor que o meu, e onde me alegra a chegada dos pratos lindos, bem montados, numa sequência orquestrada. Ainda que seja um rústico filé à parmigiana, o garçom da cantina o parte (com colher!) e serve o prato de cada comensal.

Hoje nem sempre é assim. No final do ano passado estive no Clandestina, curtindo a adorável cozinha da chef Bel Coelho. Bem, tudo para compartilhar — preciosidades provocantes, realçando produtos brasileiros como tiradito de melancia com ponzu de tucupi e ervas frescas; tempurá de pimenta de cheiro com beiju, camarão e molho picante de bacuri; tortelli de queijo quina com caldo de cebola caramelizada e cogumelos; e miniarroz de costela de gado curraleiro com jiló frito na farinha de milho.
Tudo muito bom, inclusive a companhia, minha filha, garantindo uma enorme sinergia (não que seja sempre assim nas piores famílias). Para nossos gostos parecidos, a sequência de pratos não encontrou nenhuma colisão de preferências. E nenhum constrangimento ao chafurdarmos repetidamente os talheres lambidos nos mesmos pratos no centro da mesa.
Tenho ido a outros restaurantes de pratos para compartilhar. Em geral também de chefs cuidadosos e criativos. No Jacó, o mais recente, do jovem chef Iago Jacomussi, provei a vieira com vibrante molho de maracujá e coentro, o dumpling de cogumelo com massa de guioza com carvão ativado, pimenta e caldo de tucupi; e a barriga de porco com especiarias servida com polenta de milho e glace.

No descontraído Nomo, com a cozinha do chef Nando Carneiro e vinhos escolhidos pela sócia Patrícia Werneck, provei pratos sem fronteira como manjubinhas com azeite de salsão e kombu, purê de wasabi e rabanete; quiabo na brasa com coalhada de ovelha e crispy chilli oil; e cupim casquerado com mousseline de batatas, alho frito e pinoli.

Em outros, em que estive há mais tempo, também comi bem: caso do preciso Animus, da chef Giovanna Grossi, que já deve ter mudado os pratos desde minha última visita, assim como o divertido e mais despretensioso Virado.
Mas muitas vezes vou sozinho a um restaurante, para dar uma primeira olhada. Aí, não há com quem concretizar a teórica beleza de compartilhar o pão. E só me resta aquele cálculo impreciso de pedir dois ou três pratos pra ver se na média saio satisfeito.
Em outras vezes, vou a almoços de trabalho, com pessoas não necessariamente íntimas. Neste caso, imagine estas situações, baseadas em fatos reais:
1 - Um adora carne, outro é vegetariano. Já o vegetariano adora pimenta, o outro nem pensar. Um tem alergias, outro diabetes... Solução: ir eliminando a maioria dos pratos até achar os denominadores comuns, ambos abrindo mão de suas preferências iniciais. Ou então:
2 - As pessoas não se conhecem muito, adoram comer, mas não necessariamente o tempero da saliva do outro (quem sabe depois de um bom jantar isto mude...). Então quando chega o prato no centro da mesa, pedem mais dois, limpos, para se servirem. A cada passo serão três pratos sujos — um terço a mais de água usada e de detergente nos lençóis freáticos.

Repito que nos locais onde se adota a ideologia do prato para compartilhar, tenho comido bem, por obra de chefs talentosos. E pode ser divertido, dependendo da companhia e da ocasião. Mas também já passei por embaraços.
Os velhos restaurantes costumam ter alguns pratos maiores, porções "para dividir" (jeito fora de moda de dizer "para compartilhar"). Sugiro que nos restaurantes com a nova tendência haja também o inverso, porções "individuais", para que vegetarianos e carnívoros, celíacos e italianos, alérgicos e tolerantes possam compartilhar a companhia sem conflito.
Clandestina - R. Girassol, 833, Vila Madalena, São Paulo, @clandestinarestaurante
Jacó - R. Fidalga, 357, Pinheiros, São Paulo, @jaco__sp
Nomo - R. Harmonia, 815, Vila Madalena, São Paulo, @nomogamia
Animus - R. Vupabussu, 347, Pinheiros, São Paulo, @animusrestaurante
Virado - Largo do Arouche, 150, República, São Paulo, @virado.sp
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