Carreira após ter filhos: 43% das mães solo já sofreram abuso no trabalho
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Quantas humilhações uma mãe que cria os filhos sozinha é capaz de suportar para manter o sustento da família? A pergunta parece cruel demais para uma perspectiva sobre maternidade, mas é a realidade de muitas mulheres. Uma pesquisa inédita de Universa mostrou que 52% das mães solo concordam que aceitam mais situações desconfortáveis do que gostariam no trabalho.
O levantamento feito em parceria com a MindMiners para o Universa Talks também revelou que 43% das mães solo já passaram por alguma situação de abuso ou de desrespeito no ambiente profissional, enquanto o mesmo aconteceu com 37% das mães que experienciam outro contexto de maternidade.
Segundo um levantamento da FGV (Fundação Getúlio Vargas), cerca de 11 milhões de mulheres criam seus filhos sozinhas no Brasil. Deste total, 78% são mulheres negras, considerando pretas e pardas - o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostra que este grupo concentra a maior incidência de pobreza no país.
Para Cris Guterres, colunista de Universa, a realidade mostra como a maternidade solo no Brasil é atravessada por questões de raça e classe. "São mulheres que carregam nas costas não só o sustento de uma casa, mas a responsabilidade afetiva e emocional por uma outra vida. E o mercado de trabalho sabe disso. E se aproveita disso", afirma.
A urgência de pagar o aluguel, a creche, a comida, o remédio, faz com que muitas mães solo engulam sapos todos os dias. Desde o olhar torto quando precisam sair mais cedo até a piadinha misógina disfarçada de descontração. Aceitam o desconforto porque o medo de perder a renda é maior que o incômodo. E isso não é escolha, é sobrevivência.Cris Guterres
É este contexto que faz com que mães solo sejam um dos grupos mais suscetíveis a situações de dependência financeira, segundo Cris Fibe, que também é colunista de Universa e especialista na cobertura de crimes de gênero.
"Elas sabem, com razão, que fica mais difícil evoluir na carreira depois da maternidade. São muito mais limitadas as chances de uma troca de emprego vantajosa, então muitas vezes a avaliação é de que é 'melhor seguir assim mesmo', muitas vezes à custa da própria saúde mental", destaca.
Na esfera profissional, mães solo ainda enfrentam o estigma de que são menos comprometidas com o trabalho por conta da atenção que precisam destinar aos filhos. Para as colunistas de Universa, o que acontece é justamente o oposto.
"As empresas precisam realmente compreender que as mães não dão prejuízo ou ficam menos produtivas — ao contrário, muitas vezes são mais dedicadas e ganham propósito com o nascimento de seus filhos", afirma Fibe.
Por isso, ao pensar em ações corporativas que possam contribuir para reduzir a exposição das mães solo a situações de desrespeito e desconforto no ambiente de trabalho, Guterres acredita que o primeiro passo é construir uma cultura que acolha e compreenda a realidade dessas mulheres.
"Não adianta ter uma política linda no papel se, na prática, a mãe que falta porque o filho teve febre é vista como menos comprometida que o colega solteiro que faz hora extra", afirma.
"É preciso uma cultura corporativa que entenda que a maternidade não é um obstáculo, é uma potência. Que pare de enxergar filhos como um problema da funcionária. Dito isso, precisamos de ações concretas: flexibilidade real de jornada, políticas de home office com foco em equidade e auxílio-creche digno", complementa Guterres.
Para Fibe, também é importante o comprometimento com políticas de compliance, para facilitar as denúncias. "Tolerância zero aos abusos e políticas de respeito e proteção à maternidade seriam fundamentais", afirma.
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