Displasia de quadril em bebês: veja os sinais de alerta e como prevenir

Pense na montagem de uma engrenagem, em que uma peça redonda precisa se encaixar com precisão a uma cavidade côncava. Se esse encaixe estiver frouxo ou malfeito, o sistema inteiro funciona com instabilidade. É mais ou menos isso que acontece no quadril de alguns bebês —uma condição chamada displasia do desenvolvimento do quadril (ou simplesmente DDQ).
Essa condição ocorre quando a cabeça do fêmur (a parte arredondada do osso da coxa) não se encaixa corretamente no acetábulo (que é a cavidade do osso do quadril onde ela deveria repousar firme e segura).
Por que o quadril sai do lugar?
A displasia do desenvolvimento do quadril pode começar ainda durante a gestação ou surgir ao longo dos primeiros meses de vida, à medida que o bebê cresce e se movimenta.
- Quando começa no útero:
Durante a formação do esqueleto fetal, alguns fatores podem interferir no encaixe entre a cabeça do fêmur e o acetábulo. Se esse encaixe não for firme o suficiente, o quadril pode ficar instável e, com o tempo, se deslocar —o que os médicos chamam de luxação. Algumas situações aumentam esse risco antes mesmo do nascimento:
Sexo feminino: meninas têm até quatro vezes mais chances de desenvolver a condição pois seus ligamentos são naturalmente mais frouxos, efeito que pode ser potencializado por hormônios maternos como a relaxina —embora os estudos ainda não sejam conclusivos quanto ao seu real impacto direto;
Primogênitos: geralmente têm menos espaço para se movimentar dentro do útero, que ainda é mais rígido e menos distendido, já que nunca abrigou um bebê antes;
Apresentação pélvica: quando o bebê fica sentado, com os pés ou as nádegas voltados para baixo, em vez da cabeça;
Histórico familiar: se alguém da família já teve displasia, o risco aumenta;
Alterações musculoesqueléticas associadas: como torcicolo congênito ou pé torto. Essas condições indicam que o bebê pode ter sofrido restrições de espaço ou posições anômalas dentro do útero, o que também afeta o desenvolvimento adequado da articulação do quadril.
Oligoâmnio (baixo volume de líquido amniótico) ou gestação gemelar: ambas as condições limitam o espaço e os movimentos fetais.
Em alguns casos, o acetábulo também pode se formar de maneira rasa, ou estreita, o que facilita ainda mais o "escorregamento" da cabeça do fêmur. Quando isso acontece, o quadril já nasce instável ou até mesmo parcialmente deslocado.
- Quando é após o nascimento:
Mesmo que o quadril pareça normal ao nascer, ele ainda está se formando nos primeiros meses de vida. Isso significa que uma articulação inicialmente estável pode se tornar displásica com o tempo, principalmente se exposta a pressões ou posturas inadequadas. Aqui entram fatores externos, como:
Carregar o bebê com as pernas esticadas para baixo: a posição força o encaixe da articulação;
Usar acessórios como slings, cangurus ou carregadores: quando não são ergonômicos ou bem ajustados, podem agravar uma displasia leve ou contribuir para o desenvolvimento de instabilidade;
Faixas apertadas ou os famosos "charutinhos": podem limitar os movimentos naturais dos quadris.
Logo, prestar atenção na forma como o bebê é levado no colo, no sling ou na cadeirinha do carro é mais importante do que muita gente imagina. Um suporte mal ajustado pode piorar uma displasia já existente ou até desencadear o problema em um quadril que estava estável.

Sinais de que algo não vai bem
Nos primeiros meses de vida, os sinais de displasia podem ser sutis, quase invisíveis a olho nu, e é por isso que os exames de rotina são tão importantes. Ainda assim, alguns indícios físicos podem acender o alerta:
Assimetria nas dobrinhas das pernas e das coxas;
Diferença no comprimento das pernas;
Dificuldade para abrir uma das perninhas durante a troca de fralda;
Estalos ao movimentar o quadril.
Em casos mais graves, o quadril pode estar parcialmente ou completamente luxado, ou seja, fora do lugar, o que provoca instabilidade na articulação.
E, mesmo quando o encaixe está apenas um pouco alterado, esse desajuste sutil pode cobrar seu preço a longo prazo. A displasia do quadril muitas vezes passa despercebida na fase de bebê e só aparece quando a criança começa a andar. Se não for detectada nos primeiros meses, pode se manifestar mais tarde com sinais como:
Marcha mancando ou cambaleante;
Dificuldade para correr, subir escadas ou brincar como as outras crianças;
Dor no quadril, principalmente em adolescentes.
E tem mais: há casos de adultos jovens diagnosticados só na fase adulta, com dores persistentes no quadril ou artrose precoce, resultado de um encaixe que nunca foi corrigido.
Se a displasia não é tratada logo ao nascimento, ela pode comprometer o desenvolvimento da articulação, levando à limitação de movimentos, desgaste precoce da cartilagem e até à necessidade de cirurgias mais invasivas no futuro.
Diagnóstico: o toque revela muito
Detectar a displasia de quadril nos primeiros dias de vida é como encontrar um pequeno desalinho antes que ele se torne um grande desvio. E para isso, a principal ferramenta são as mãos experientes do pediatra.
Logo na maternidade, os recém-nascidos passam por um exame físico minucioso. Entre os testes realizados, estão as manobras ortopédicas de Ortolani e Barlow.
Essas técnicas consistem em movimentos delicados nas perninhas do bebê para avaliar a estabilidade do quadril. O médico sente com os dedos se há um "clique", uma sensação de que a cabeça do fêmur se desloca e retorna ao lugar. Esse sinal discreto, mas revelador, pode indicar que o encaixe entre o fêmur e o acetábulo está comprometido.
Se houver suspeita, entra em cena um exame de imagem bastante eficiente: a ultrassonografia de quadril, indicada principalmente nos primeiros meses de vida. Ela permite ver se a articulação está bem formada ou se o acetábulo está raso, facilitando o escorregamento do osso. Já em crianças um pouco maiores, o raio-X da bacia é o exame preferido, pois a ossificação do quadril está mais avançada e permite melhor visualização da estrutura.
Se aparecer depois, o que fazer?
Quando a displasia passa despercebida e só se revela mais tarde (na infância, adolescência ou até na vida adulta) com dor no quadril, marcha alterada ou limitação dos movimentos, o diagnóstico é feito com base em exames físicos (como limitação da abertura da perna, encurtamento de membro, mobilidade do quadril) e radiografias da bacia, que analisam o formato da articulação e ajudam a identificar:
Se a cabeça do fêmur está bem posicionada dentro do acetábulo;
A profundidade e o formato da cavidade acetabular;
Sinais de desgaste precoce da articulação.
Em situações mais complexas, pode-se usar exames mais detalhados como ressonância magnética ou tomografia computadorizada, sobretudo quando se suspeita de lesões associadas ou já existe dano na cartilagem.
Tratamento: quanto mais cedo, melhor
O grande trunfo no tratamento da displasia de quadril é o tempo. Quanto mais precocemente for identificada, mais simples e eficaz é a correção —e maiores são as chances de um desenvolvimento normal da articulação.
Em recém-nascidos diagnosticados nas primeiras semanas de vida, o tratamento padrão é o uso do suspensório de Pavlik. Pode parecer estranho ver um bebê com as perninhas constantemente dobradas e voltadas para fora, mas é justamente essa posição (um "M" com as pernas) que ajuda a cabeça do fêmur a se encaixar corretamente no acetábulo. O uso da órtese pode durar de seis a 12 semanas (em alguns casos até os seis meses de idade), e o acompanhamento é feito com exames periódicos de ultrassom.
Já nos casos em que o diagnóstico é tardio (após seis a 18 meses) ou a displasia é mais grave, o tratamento pode ser um pouco mais agressivo. Imobilizações com gesso, manobras de redução sob anestesia ou até cirurgias ortopédicas são indicadas quando a articulação não se estabiliza sozinha.
Essas cirurgias, chamadas osteotomias, remodelam os ossos para melhorar o encaixe entre o fêmur e o quadril, prevenindo deformidades futuras. Quando a displasia é detectada só na adolescência ou na vida adulta, a cirurgia visa corrigir a incongruência articular para preservar a articulação o máximo possível e aliviar a dor —muitas vezes para evitar, ou ao menos adiar, a necessidade de uma prótese de quadril.
O importante é entender que, independentemente da idade, a displasia de quadril tem tratamento. Mas quanto antes ela for descoberta, maiores são as chances de evitar sequelas como dor crônica, dificuldade para caminhar e desgaste precoce da articulação.
Cuidados que ajudam o quadril
A displasia do quadril é, em grande parte, uma condição de origem multifatorial. Ou seja, não existe um "culpado" isolado. Embora não seja possível impedir completamente que essa condição apareça, alguns cuidados simples no dia a dia podem fazer toda a diferença para evitar que o problema se agrave.
Um dos principais aliados da prevenção é o jeito como os pais carregam e posicionam o bebê. A articulação do quadril ainda está se moldando nos primeiros meses de vida; por isso, manter as perninhas sempre esticadas, presas ou apertadas pode atrapalhar esse processo. Assim, evite:
Enfaixar o bebê de forma muito justa;
Usar roupas ou mantas que limitem os movimentos naturais das pernas;
Exagerar no uso de faixas ou compressas que forcem os quadris para baixo.
O ideal é apostar em carregadores ergonômicos que deixem as perninhas do bebê dobradas e afastadas, com os joelhos mais altos do que os quadris —como na formação de um "M". Essa é a postura natural do bebê e a mais segura para o desenvolvimento do quadril, pois favorece o encaixe adequado da cabeça do fêmur no acetábulo e contribui para uma articulação estável e saudável.
Também é importante ficar atento a hábitos que podem prejudicar a formação do quadril em crianças maiores. Alguns ortopedistas recomendam evitar que a criança se sente na posição de "W" (com as pernas para trás), assim como o uso de disquinhos ou andadores no início da marcha. Esses detalhes, embora sutis, podem impactar o alinhamento e a estabilidade da articulação.
E, acima de tudo, o acompanhamento pediátrico nos primeiros meses de vida é fundamental. Exames físicos regulares e, quando necessário, ultrassonografias, permitem identificar alterações logo no início —quando o tratamento é mais simples e as chances de cura completa são altíssimas.
Fontes: Gerardo Vasconcelos Mesquita, professor do curso de medicina da Faculdade Pitágoras, em Codó (MA) e doutor em cirurgia ortopédica e trauma pela UFP (Universidade Federal de Pernambuco); Mariana Lombardi Novello, pediatra associada à SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria) e pós-graduada em neurociência, educação e desenvolvimento infantil pela PUC-RS; Nauro Hudson Monteiro, ortopedista e professor do curso de medicina da Universidade Unic - Beira Rio, em Cuiabá (MT); Nelson Douglas Ejzenbaum, pediatra e neonatologista membro da AAP (Academia Americana de Pediatria).