Rinossinusite: tratamento evita cirurgia para acabar com a congestão nasal

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Um em cada três de nós sabe o que é viver com o nariz irritado, coçando, escorrendo e espirrando. Mas isso — a rinite alérgica — parece fichinha perto da rinossinusite crônica com pólipos. Ela é outra história, até na intimidade das células imunológicas e da inflamação envolvida.
Para 3% ou 4% da população, que têm essa condição, o ar não entra pelas narinas e segue o seu caminho tranquilamente. Seu trajeto é repleto de obstáculos esquisitos, os tais pólipos, espalhados pelo epitélio nasal e pelos seios da face. Não bastassem ocuparem espaço e estreitarem a passagem, eles produzem uma quantidade absurda de muco, obstruindo tudo de vez.
Uns conseguem respirar mais aliviados com um spray de corticoide intranasal — isto é, quando a coisa não se complica, exigindo corticoides orais, que infelizmente oferecem efeitos adversos importantes com o tempo. Já outros só sentem um ar de sossego ao se submeterem ao bisturi, quando o cirurgião muitas vezes arranca dezenas ou centenas — sim, centenas! — de pólipos, um por um, com paciência infinita.
"Com a técnica correta, metade dos pacientes operados fica muito bem", afirma a médica cearense Luisa Karla Arruda, especialista em alergia e imunologia, que hoje é professora da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) em Ribeirão Preto, depois de ter atuado uma década na Universidade da Virginia, nos Estados Unidos, onde também lecionou.
Pois é, o problema é a outra metade. Nos menos sortudos dos indivíduos operados, os pólipos voltam — em alguns mais depressa, em outros menos. "Já vi gente passando pela cirurgia duas, três, quatro vezes", contabiliza a médica. "E não posso dizer que seja um procedimento trivial. Há sempre algum risco, inclusive pela necessidade de anestesia."
Mas não é só isso. Por exemplo, o cirurgião não tem como perceber se, onde está um pólipo que ele pretende arrancar, existe um pouquinho de nervo olfatório. "Então, sem querer, ele pode remover essas fibras nervosas junto, provocando uma perda de olfato permanente."
Olfato, diga-se, que provavelmente já estava bastante prejudicado pela simples presença dos pólipos. "A rinossinusite deixa as pessoas com dificuldade para sentir cheiros", lamenta informar a professora. E, como olfato e paladar parecem atuar em dobradinha, não raro a pessoa reclama que seu prato predileto está com gosto de cabo de guarda-chuva.
Por essas e por outras, ainda está reverberando entre os especialistas a apresentação de um estudo de fase 3, aquela com um número maior de pacientes, que aconteceu no último congresso da Academia Americana de Alergia, Asma e Imunologia, há dois meses, em San Diego.
Os resultados do WAYPOINT — este é o nome do tal estudo —, publicados no prestigiado periódico The New England Journal of Medicine, apontam que um imunobiológico desenvolvido pela farmacêutica AstraZeneca e conhecido por tezepelumabe reduz de maneira significativa a quantidade e o tamanho dos pólipos, quando não os elimina por completo. É como se murchassem. E isso se manteve pelas 52 semanas durante as quais os pacientes do estudo seguiram com o tratamento.
"Ele já existe no Brasil e consta, inclusive, no rol da ANS (a Agência Nacional de Saúde Suplementar), só que para tratar asma", diz a doutora Luisa Karla. "O interessante desse trabalho foi investigar sua ação especificamente nos casos de rinossinusite."
O que acontece na rinossinusite
Ela é, nas palavras da especialista, "uma reação inflamatória crônica muito especial". Isso ser o que, na Medicina, é chamado de inflamação do tipo 2, um perfil que envolve células de defesa e moléculas, as citocinas, que podemos descrever como diferenciadas.
O fato é que a inflamação constante leva ao surgimento de estruturas que, quando os médicos usam um aparelhinho que permite a visão do que acontece dentro do nosso nariz — o nasofibroscópio — lembram gotas ou cachos de uva gelatinosos. "São pálidos, ao contrário da mucosa nasal, que é bem rosadinha", descreve a professora. "E são avistados dos dois lados, causando obstrução ou congestão, ou seja, aquela sensação de que está tudo tampado."
Os tais pólipos não são recheados de líquido, feito um cisto. Mas são um tecido inchado, repleto de determinadas células de defesa no meio, principalmente eosinófilos, que disparam mais e mais inflamação. Ou seja, sua presença cria um efeito de bola de neve que provoca o crescimento de novos pólipos e assim vai."E, por fora, esses 'cachos de uva' são revestidos por um epitélio que produz muito mais muco que o do nariz normal", complementa.
Homens e mulheres sofrem do problema em igual proporção. "Normalmente, ele aparece em adultos jovens, entre 30 e 40 anos, embora existam casos precoces, em que as queixas começam por volta dos 15 anos", observa a médica. "Boa parte desses indivíduos já sofria de asma. Mas também há quem chegue no consultório e se espante com o diagnóstico, porque nunca teve nada disso, nem crise asmática, nem rinite alérgica."
Às vezes, o gatilho parece ser uma gripe, um resfriado ou outra infecção respiratória qualquer que deixou o nariz entupido; "É quando escuto: "doutora, parece que nunca mais fiquei bom!'", lembra Luisa Karla Arruda.
A causa exata? Com sinceridade a professora responde que, no fundo, ninguém sabe. "Talvez possa existir uma predisposição genética", pondera. A certeza é que, sem tratamento, a rinossinusite vai se agravando. Pode afetar o olfato a ponto de uma paciente da médica, um dia, ter esquecido uma panela no fogão.
Também atazana o sono. Ora, quem descansa direito se leva para cama a sensação de sufoco e dorme de boa aberta? A manhã seguinte clareia o peso da rissonusite, afetando o desempenho nas aulas ou no trabalho. E não é só o desconforto do nariz entupido. "Aquela secreção toda, se não pode sair pelo nariz, como pode acontecer com maior facilidade durante o dia, escorre para trás da garganta", descreve a professora. "O organismo reage tentando limpar a região. Então, surge um pigarro persistente e a tosse"
De acordo com a médica, os pólipos situados nos seios da face — por serem cavidades dentro do osso — não têm espaço para expansão. "Daí que, se crescem muito, podem chegar a ponto de causar alterações ósseas", alerta.
O tezepelumabe deve entrar em cena quando todos os tratamentos para evitar essa progressão já falharam. Trata-se de uma injeção subcutânea aplicada a cada quatro semanas que mostra bastante segura, E saber disso é importante. Afinal, é possível que seu uso tenha de ser contínuo, a fim de não dar brecha para a volta dos insuportáveis pólipos.
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